28 de julho de 2025
Até que ponto uma obra biográfica pode abordar passagens que envolvem a vida de terceiros? Em que situação é possível questionar a validade de uma produção que narra, sob a perspectiva de outras pessoas, histórias da vida de uma personalidade pública? Existem limites para uma biografia, ainda que transformada em um drama baseado em fatos reais?
Todos esses questionamentos podem vir à tona quando o assunto é “Chespirito – Sem Querer Querendo” (Max, 2025). A série de oito episódios se cerca de diversas polêmicas e desde a sua estreia, em 05 de junho, está nas principais páginas de notícias, em especial pelos questionamentos de pessoas ligadas à história do comediante Roberto Gómez Bolaños (1929-2014) que afirmam categoricamente que a série falta com a verdade.
Nessa história toda, em quem o público deve acreditar?
Embora suspeito ao falar sobre Bolaños, posso dizer que a resposta pouco importa quando se tem uma série narrando a sua vida. Com o cuidado de mostrar em detalhes a trajetória do protagonista, da sua infância até a conquista de um sucesso estrondoso, a série possui a qualidade necessária para divertir e emocionar com a mesma intensidade.
Conforme retratado brilhantemente, os primeiros passos de Bolaños já demonstravam que se tratava de um talento como poucas vezes se viu, levando-o a ser chamado de Chespirito… o pequeno Shakespeare. Assim, ao longo de todos os episódios, conhecemos os bastidores de um dos maiores sucessos da história da televisão e entendemos não apenas o processo de criação das suas personagens como também o relacionamento entre os atores e as consequências do sucesso para todos os envolvidos. Inclusive para os seus familiares.
A partir dessa premissa, a série nos apresenta o íntimo do artista que melhor representa a ideia de que o ser humano é falho. Afinal, ainda que a sua genialidade seja inquestionável, suas ações pessoais o fizeram construir uma história com desvios que poderiam, em tese, colocar em xeque tudo o que construiu. Contudo, suas falhas jamais seriam capazes de apagá-lo e seus erros apenas reforçam que por trás do gênio imortal há um ser humano como outro qualquer.
Em outras palavras, a série chega para atestar que Chespirito é uma entidade imortal do Olimpo dos artistas; e Roberto Gómez Bolaños é alguém como nós.
Simples assim.
No entanto, a qualidade da série vai além de humanizar Chespirito. Com ótimas atuações de todo o elenco, a série abre espaço até mesmo para a participação especial de Édgar Vivar e Maria Antonieta de Las Nieves. Além disso, possui um roteiro que sabe privilegiar o dia a dia do protagonista com o que envolve os bastidores da gravação de um programa de TV, dando destaque a como Bolaños mudou de vida e se transformou ao deixar de ser um simples roteirista para se tornar uma unanimidade, em todos os sentidos.
Como uma boa novela mexicana, a série opta pelo drama característico das produções do país latino. Há espaço para romances, traições, desentendimentos, agressões e tudo o que é possível inserir em um novelão. Às vezes de modo exagerado, outras vezes auxiliando a apresentar drama e humor na medida certa para que seus episódios passem em um piscar de olhos, trazendo a nostalgia de rever mais uma vez personagens que fizeram parte da infância de todos nós.
Com destaque especial para as famosas gravações em Acapulco, o encontro com cada ator do elenco de Chaves e Chapolin, bem como os insights de Bolaños ao criar suas principais personagens, a série faz um recorte preciso de um período muito importante da vida do protagonista. Além disso, nos surpreende com uma atuação impecável de todos os atores que fazem parte do elenco, especialmente o brilhante Pablo Cruz Guerrero, que dá vida não apenas ao ator Bolaños como aos seus personagens Chaves, Chapolin, entre outros.
Apesar da qualidade técnica, “Chespirito – Sem Querer Querendo” tem causado reações negativas por parte de figuras importantes, como a segunda esposa de Chespirito, a atriz Florinda Meza, e seu companheiro de cena Carlos Villagrán. A razão fica evidente a cada novo episódio. Ainda que seus personagens tenham outros nomes, não se buscou esconder a quem a série retratava e as atitudes dos personagens que os representam são tão questionáveis quanto todos os erros do próprio protagonista. Não é difícil vê-los como vilões e talvez essa realmente tenha sido a intenção, não à toa Florinda ameaça processar os produtores da série.
A grande questão é que os produtores são os próprios filhos de Bolaños. Com toda a sinceridade, acredito que seja pouco provável que os filhos faltem com a verdade ao retratar a história do pai, ainda que carreguem até hoje a mágoa por todo o sofrimento que ele causou à família cinquenta anos atrás. O que pode ter acontecido é um exagero que não foge da liberdade criativa dos criadores da série e cabe ao espectador fazer a análise se tal exagero compromete ou não a experiência.
A verdade é que os fãs que acompanharam a trajetória de Bolaños não se espantam com absolutamente nada. Mais do que isso, se há dúvidas sobre o que é verdade ou não, o livro “Sem Querer Querendo” (Estética Torta, 2021), escrito por ele mesmo, está disponível para ser consultado e assim garantir a prova dos nove. O resto é apenas polêmica barata para tirar o foco de uma grande produção que exalta o trabalho do supercomediante Roberto Gómez Bolaños, o nosso eterno Chespirito.
Espírito Santo do Pinhal, 28 de julho de 2025.