10 de agosto de 2025
As melhores fantasias da literatura mundial carregam sempre características em comum: um universo mágico, apresentando cenários e personagens memoráveis, por meio de detalhes riquíssimos, muitas vezes com uma profundidade impensável que não apenas causa a imersão como também nos faz pensar sobre como seria se aquilo fosse real.
Quando essas simples características se manifestam, dificilmente a fantasia não terá um sucesso imediato. São muitos os exemplos que confirmam essa afirmação, como as obras tolkianas, a série de As Crônicas de Gelo e Fogo e o universo de Ursula K. Le Guin.
No entanto, quando o assunto é fantasia moderna, não há uma única obra que, a meu ver, se destaque mais do que aquelas do professor universitário Patrick Rothfuss, que com “O Nome do Vento” (2007), da lista dos mais vendidos do The New York Times, dá início à trilogia A Crônica do Matador do Rei.
Mais de dez anos depois da primeira leitura, a espera pelo último livro e a saudade dos Quatro Cantos da Civilização me motivou a reler a obra e, a empolgação da releitura, reforçou o motivo de ainda hoje classificá-lo como um dos meus livros favoritos. Acima de tudo, a releitura de “O nome do vento” passa a ser uma das minhas formas de atestar as definições de clássicos estabelecidas por Italo Calvino no seu excelente “Porque ler os clássicos”, afinal esta experiência foi uma descoberta tão especial quanto a primeira leitura (para não dizer ainda maior).
Nesse primeiro livro, conhecemos Kote (no passado, Kvothe), enigmático personagem proprietário da hospedaria Marco do Percurso. Seu passado é sinistro e amedronta pessoas de todos os cantos do mundo, porém, o tempo foi responsável por dar uma nova versão às suas histórias. Com o intuito de resgatar a veracidade das mesmas, eis que aparece um Cronista, disposto a escrever tudo aquilo que o hospedeiro tem a dizer. De início, Kvothe é contra, mas acaba cedendo e inicia uma história fantástica que necessitará de três dias para ser contada.
Três longos e incríveis livros para jamais se esquecer.
Antes de se tornar proprietário da hospedaria, Kvothe fez parte de uma trupe itinerante, que passava os dias andando pelas estradas e se apresentando mundo afora, porém sua vida muda drasticamente quando toda a trupe é assassinada. Órfão e sozinho no mundo, Kvothe passa a viver nas ruas e só depois de muito tempo, e muito sofrimento, ingressa na Universidade, instituição onde todos os seus objetivos poderão ser alcançados e a sua busca incessante por vingança poderá, eventualmente, se concretizar.
Toda a história da morte da trupe e das aventuras de Kvothe na Universidade é narrada por meio de um estilo literário agradável e de qualidade insuperável. Patrick Rothfuss é certeiro em seu modo de contar história e sua escrita torna a experiência diferenciada, uma vez que o tom leve e muitas vezes poético garante uma leitura prazerosa. Com estilo único, Rothfuss faz o leitor se sentir presente na hospedaria, em uma experiência próxima a de ouvir a história do próprio contador, e também de estar presente como expectador de todas as aventuras do passado que são narrados pelo protagonista.
Com um mundo fantástico criado com riqueza de detalhes, a obra nos apresenta desde a mitologia, com a história sobre a origem do mundo, até a detalhes sobre política, cultura e religião dos Quatro Cantos. Além disso, conhecemos a relação do protagonista com seus professores e colegas de Universidade, bem como nos aprofundamos em sua esperteza própria, que o transforma em um jovem prodígio, e somos surpreendidos com a quantidade de empecilhos e problemas que ele se depara no seu dia a dia.
Todos esses detalhes são descritos com maestria e tornam a obra única, indispensável para todos os fãs de fantasia, pois é a porta de entrada para o rico universo que será ainda mais explorado nas demais obras do autor.
Todas essas sensações já estavam presentes na leitura, realizada em 2012, porém a releitura, conforme citado anteriormente, atesta as definições de clássicos estabelecidas por Calvino. A cada novo capítulo é possível perceber que a obra não foi capaz de dizer, em apenas uma leitura, tudo aquilo que tem a dizer. Mais do que isso, “O nome do vento” se encaixa perfeitamente na definição de que “clássicos são livros que, quanto mais pensamos conhecer por ouvir dizer, quando são lidos de fato mais se revelam novos, inesperados, inéditos”¹ .
A releitura revela, acima de tudo, uma obra que ainda tem muito a me dizer e que jamais deixará de ser uma ótima escolha ao indicar um livro de fantasia para quem quer que seja, ainda que a incansável espera pelo terceiro livro seja reclamação recorrente de todos que conhecem a obra de Patrick Rothfuss.
Em outras palavras, um verdadeiro clássico da literatura fantástica mundial.
Espírito Santo do Pinhal, 17 de julho de 2025.
¹ CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.